Cinzas em brasa

Há uma fúria velada, cinzas do Outrora em brasa,
Que ganha novo fôlego a cada arquejar da alma nua
E que arranca as sombras do que sobra de mim pela rua
E as faz latejar contra as paredes sujas das casas.

Uma sensação de estranheza, de perplexidade do instinto,
Como se na corrente que se orienta ao arrepio da vida,
Houvesse uma inflexão, uma fatalidade interrompida,
E me encontrasse perdido do lado de fora de um labirinto..

Não há voz que entoe sossego, por mais que atente..
Nenhum olhar perscrutante, nenhum auspício, nenhum ensejo...
A noite condensou em mim um mar crispado de desejo,
Perpetuando-se na infinita tristeza de um Agora ausente.

Há uma distância óbvia entre a copa das árvores e o céu,
Mas eu também não reclamo nenhum deles para meu:
A copa das árvores são ramos finos e o céu nem ramos tem.

Por dentro da vidraça da janela que é tua,
Há uma luz assim, tal qual a da Lua:
Calor não tem, e o brilho é alheio..

Nas lâminas de erva esquecida nas valetas
Mil olhos orvalhados seguem-me os passos..


E a minha vontade de o escrever é uma dor que se me desenlaça os nós da alma para os apertar mais no peito.

Comentários

BookOwl disse…
Está lindíssimo!