Carta Aberta

Olá Fernando, seu cobarde! Mando-te daqui, deste teu porto abandonado, os meus mais desafogados abraços.

Não te deixes enganar pelo tom amargo em que te escrevo e saúdo. Se nos tivéssemos encontrado pessoalmente, sabes bem, a conversa não seria assim. É que a palavra escrita não se subjuga aos mesmos senhores da palavra falada. Numa carta o mais cobarde torna-se o maior herói, se realmente assim se sentir, mesmo que depois de escrita não consiga lê-la em voz alta, nem para si mesmo. Eu não me sinto herói mas sou ainda assim, menos cobarde do que tu, que nunca chamaste as coisas pelo nome. Fizeste o poeta derrotar o homem, sabendo de antemão que era uma luta desigual porque o homem erra e ao fazê-lo não só vive o engano, como as consequências do mesmo, enquanto que o poeta diz "erro" e diz "sofro" e diz "vivo" e mais não faz que conjugar, impunemente, verbos. E a tua alma, que penaste palavra a palavra, fruto a fruto, deixaste-a mirrar e apodrecer às custas de nunca lhe dares o que ela fazia clamar por entre cada sílaba. Essa foi a tua cobardia, a de nunca assumires que querias o mesmo que outros, que vivias a mesma vida dos outros, que o teu fado, a tua sina, o teu oh! tão nobre destino, afinal era o mesmo que o de todos os outros, desde o do poeta que te foi mantendo vivo ao do bêbado que te acabou por matar.

Saudações Fernando. Um copo à tua saúde.

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