Algures... (Comboios à chuva)
Em praias duvidosas, abandonadas no brando marulhar da memória,
Vibram ainda os passos inscritos nas areias de outro Inverno
Onde o sereno sussurrar do vento que embala a chuva latente
Desembainha do passado a lâmina cristalizada, dormente,
Como todas as gotas suspensas num Dezembro eterno.
Também a minha ideia é metal nu, brandindo na tempestade
A lembrança do ocaso derramado sobre o teu corpo poente,
Aqui! - onde todos os significados exalam saudade
Da espumas das ondas que vieram numa maré alta e suave
Banhar-me as costas vencidas, nocturnas, carentes.
Lá fora estão comboios à chuva. Vejo-os estancados na noite
Fendida apenas pelo olhar pálido dessa Íris de lunar desejo
Que guarda na terra solta o sepulcro do meu pensamento..
Súbito já nem sei se é a tempestade sobre os comboios ao relento
Se sou eu, nimbo de sonhos condensados, que trovejo.
Permaneço, escutando o murmúrio das sombras das árvores..
E eu sou como todas as sombras ancoradas às raízes de então
Albergando num interior, que por natureza não têm, T
odo um império de vontades impróprias de alguém
Que passa os dias a olhar para o céu de costas no chão.
Comentários
Gostei muito da tua escrita. Andei de blog em blog e vim encontrar o teu. Li todos os textos. São bonitos. e tristes. Deves sofrer muito com a saudade que falas sentir neste último texto. Se calhar como eu sofro porque também fui abandonada.E o q mais doi é nao deixar de sentir a saudade e o sentimento de amor por alguém. Queria so ouvir "Volta" e eu voltava porque amo. Ou "Fica" como dizes num texto. E eu ficava. Também se calhar querias não era? Queria q lutassem por mim e tu se calhar também.. Boa sorte par ti e muita felicidade.
Ana
Adoro as imagens.
"Onde o sereno sussurrar do vento que embala a chuva latente"; "Como todas as gotas suspensas num Dezembro eterno"; "Também a minha ideia é metal nu, brandindo na tempestade"; "Lá fora estão comboios à chuva"; "escutando o murmúrio das sombras das árvores"; "Que passa os dias a fitar o céu de costas vergadas no chão".
Ainda não li todos os recentes e desconhecidos, mas vim comentar este antes que me esquecesse de o fazer.
Tenho andado desaparecida, tenho andado desinspirada, tudo de nada. Não escrevo, não leio, acho tudo mais inútil e admiro, e não, quem ainda o possa. Quero o tudo e, de seguida, o nada por o primeiro ser inconquistável, assim como o segundo. Ando um estrago, diluída, e por vezes diluído. Uma promiscuidade incessante e extraordinária.
E digo eu que já não escrevo...
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