Algures... (Comboios à chuva)

Em praias duvidosas, abandonadas no brando marulhar da memória, 

Vibram ainda os passos inscritos nas areias de outro Inverno 

Onde o sereno sussurrar do vento que embala a chuva latente 

Desembainha do passado a lâmina cristalizada, dormente, 

Como todas as gotas suspensas num Dezembro eterno.

Também a minha ideia é metal nu, brandindo na tempestade

 A lembrança do ocaso derramado sobre o teu corpo poente, 

Aqui! - onde todos os significados exalam saudade 

Da espumas das ondas que vieram numa maré alta e suave 

Banhar-me as costas vencidas, nocturnas, carentes.

Lá fora estão comboios à chuva. Vejo-os estancados na noite 

Fendida apenas pelo olhar pálido dessa Íris de lunar desejo 

Que guarda na terra solta o sepulcro do meu pensamento.. 

Súbito já nem sei se é a tempestade sobre os comboios ao relento 

Se sou eu, nimbo de sonhos condensados, que trovejo.

Permaneço, escutando o murmúrio das sombras das árvores.. 

E eu sou como todas as sombras ancoradas às raízes de então 

Albergando num interior, que por natureza não têm, T

odo um império de vontades impróprias de alguém 

Que passa os dias a olhar para o céu de costas no chão.

Comentários

Anónimo disse…
Olá Daniel.
Gostei muito da tua escrita. Andei de blog em blog e vim encontrar o teu. Li todos os textos. São bonitos. e tristes. Deves sofrer muito com a saudade que falas sentir neste último texto. Se calhar como eu sofro porque também fui abandonada.E o q mais doi é nao deixar de sentir a saudade e o sentimento de amor por alguém. Queria so ouvir "Volta" e eu voltava porque amo. Ou "Fica" como dizes num texto. E eu ficava. Também se calhar querias não era? Queria q lutassem por mim e tu se calhar também.. Boa sorte par ti e muita felicidade.

Ana
BookOwl disse…
Lindo.
Adoro as imagens.
"Onde o sereno sussurrar do vento que embala a chuva latente"; "Como todas as gotas suspensas num Dezembro eterno"; "Também a minha ideia é metal nu, brandindo na tempestade"; "Lá fora estão comboios à chuva"; "escutando o murmúrio das sombras das árvores"; "Que passa os dias a fitar o céu de costas vergadas no chão".

Ainda não li todos os recentes e desconhecidos, mas vim comentar este antes que me esquecesse de o fazer.


Tenho andado desaparecida, tenho andado desinspirada, tudo de nada. Não escrevo, não leio, acho tudo mais inútil e admiro, e não, quem ainda o possa. Quero o tudo e, de seguida, o nada por o primeiro ser inconquistável, assim como o segundo. Ando um estrago, diluída, e por vezes diluído. Uma promiscuidade incessante e extraordinária.

E digo eu que já não escrevo...


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