Sabores

Do sal das ondas que vieram sentar-se 

À entrada da boca do silêncio, 

Vindas das nascentes a norte 

Quedadas fitando a alma vertida 

Afundar-se nos sulcos da aridez, 

Desse ténue cortejo transparente 

De flâmulas tremeluzentes, 

Nada resta 

Senão a corrosão acumulada no esqueleto dos dias 

E o frio cristalino 

Que brota desses olhos escancarados 

E se prolonga até ao último pedaço insípido de ti.

Comentários

Anónimo disse…
"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filossofia não há árvores:há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."

Alberto Caeiro

(Outro anónimo...)
Anónimo disse…
Pareces quase desesperado com tua escrita. A mim parece que sofres. Sofres por ti. Sofres por “alguém” deveras especial para ti. Alguém infiltrado em ti. Alguém tatuado em ti e muito para além de ti. Na tua pele, no teu coração, na tua mente. Sangras. Não páras de sangrar. Como sangras... por ti e para ti.
Passo o meu testemunho para ti (se me permites) enquanto mente igualmente tortuosa, com mais vivência. Não arranques esse alguém se não queres. Não arranques se não sabes. Não arranques porque sentes o tempo desigual. Não troques por silêncios. "Encontra-te” mas não mates.
Eu amedrontei-me e perdi. Arrisquei e recuperei... porque cheguei a tempo. Tenho o meu vício de volta. Esse alguém poderá também ser o teu vício, e conseguir eliminar toda essa corrosão que sentes.
Não deixes que a poesia seja a tua única catarse.
Bjs,

Alice
Anónimo disse…
"Ontem encontrei-te de novo. Ou encontrei-te apenas, não sei. Sei que me lembraste alguém que não conheco. Chovia, e tu encharcado pela água da chuva, carregavas nas mãos uma alma alagada pelas lagrimas que tantas vezes choras para dentro."

,,

Isto foi o que senti ao ler a tua escrita.. Tremendamente complicada. Definitivamente triste.
Revi-me em ti. Mas não mais! Basta...

V.
Daniel Marinha disse…
Gostei que houvessem tantas reacções a este poema. Levei o meu tempo a responder aos comentários, mas aqui vão, finalmente, as respostas, agora que ninguém as lerá. Por ordem cronológica.

Caeiro, sim.. Gostei do poema. No final, achei curioso porque julguei entender a ideia por detrás do poema, e com isso a intenção da transcrição. Mas penso que não se pode usar a poesia do Caeiro, ou de qualquer outro ramo da mesma árvore, como uma declaração de intenções. Porque se há coisa que toda a poesia de Fernando Pessoa tem em comum (com excepcção, talvez, de Ricardo Reis) é a auto-contradição, o que leva à implosão de qualquer argumento. Que para mim é a alma de toda aquela poesia. Aliás, só assim se explica que Caeiro repreenda a mesma filosofia de que são feitos os textos de Bernardo Soares e alguns de Fernando Pessoa. Mas nem era preciso ir tão longe. Na sequência deste, aparece imediatamente a seguir e na mesma compilação de poemas de Caeiro, o seguinte:

"Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem com tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de felicidade!"

Isto é Caeiro a responder a Caeiro e não eu a responder a alguém. Por mim, preferiria esta:

"Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa."
Daniel Marinha disse…
Alice, não imaginas como fiquei contente com a tua visita e pelo facto de teres comentado. É bom saber-te por cá. Há no entanto algo que preciso acrescentar ao teu comentário, um outro lado que será talvez o mais imediato, apesar de parecer o contrário. Dizes que pareço desesperado com a escrita e partes daí para o resto, quando talvez seja apenas a escrita que pareça desesperada. Há uma idade até à qual todos parecemos melhor do que realmente conseguimos ser: saudáveis, fortes, decididos, belos, indomáveis e sem medo; Idade essa, a partir da qual passamos frequentemente a ser melhores do que conseguimos parecer, à medida que a juventude levanta as suas âncoras e parte depois do saque e das pilhagens. Ao escrever, tudo se confunde, como tu bem sabes. E eu, bem.. simplesmente não dou uma configuração solar aos meus textos. Mas isso não quer dizer que não esteja lá. Todo o espaço que há entre a palavra escrita e o seu significado é totalmente preenchida pelos olhos de quem lê. Também não quer dizer que seja menos correcta por isso. ;)

Bjs
Daniel Marinha disse…
V.

Gostei muito do que transcreveste. De tal forma, que não consigo evitar colocar aqui o link para o texto original e daí poderão seguir para o blog principal. (http://voandoaderiva.blogspot.com/2006/11/84.html)

Se me permites uma ideia.. não existem palavras dos outros. Apenas significados nossos.

Fica bem.