Sabores
Do sal das ondas que vieram sentar-se
À entrada da boca do silêncio,
Vindas das nascentes a norte
Quedadas fitando a alma vertida
Afundar-se nos sulcos da aridez,
Desse ténue cortejo transparente
De flâmulas tremeluzentes,
Nada resta
Senão a corrosão acumulada no esqueleto dos dias
E o frio cristalino
Que brota desses olhos escancarados
E se prolonga até ao último pedaço insípido de ti.
Comentários
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filossofia não há árvores:há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."
Alberto Caeiro
(Outro anónimo...)
Passo o meu testemunho para ti (se me permites) enquanto mente igualmente tortuosa, com mais vivência. Não arranques esse alguém se não queres. Não arranques se não sabes. Não arranques porque sentes o tempo desigual. Não troques por silêncios. "Encontra-te” mas não mates.
Eu amedrontei-me e perdi. Arrisquei e recuperei... porque cheguei a tempo. Tenho o meu vício de volta. Esse alguém poderá também ser o teu vício, e conseguir eliminar toda essa corrosão que sentes.
Não deixes que a poesia seja a tua única catarse.
Bjs,
Alice
,,
Isto foi o que senti ao ler a tua escrita.. Tremendamente complicada. Definitivamente triste.
Revi-me em ti. Mas não mais! Basta...
V.
Caeiro, sim.. Gostei do poema. No final, achei curioso porque julguei entender a ideia por detrás do poema, e com isso a intenção da transcrição. Mas penso que não se pode usar a poesia do Caeiro, ou de qualquer outro ramo da mesma árvore, como uma declaração de intenções. Porque se há coisa que toda a poesia de Fernando Pessoa tem em comum (com excepcção, talvez, de Ricardo Reis) é a auto-contradição, o que leva à implosão de qualquer argumento. Que para mim é a alma de toda aquela poesia. Aliás, só assim se explica que Caeiro repreenda a mesma filosofia de que são feitos os textos de Bernardo Soares e alguns de Fernando Pessoa. Mas nem era preciso ir tão longe. Na sequência deste, aparece imediatamente a seguir e na mesma compilação de poemas de Caeiro, o seguinte:
"Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem com tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de felicidade!"
Isto é Caeiro a responder a Caeiro e não eu a responder a alguém. Por mim, preferiria esta:
"Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa."
Bjs
Gostei muito do que transcreveste. De tal forma, que não consigo evitar colocar aqui o link para o texto original e daí poderão seguir para o blog principal. (http://voandoaderiva.blogspot.com/2006/11/84.html)
Se me permites uma ideia.. não existem palavras dos outros. Apenas significados nossos.
Fica bem.