Segredos
Ontem vi o Sol a escorregar do céu abaixo como se uma criança o tivesse largado das suas mãos inocentes para correr atrás de outra coisa qualquer sem importância nenhuma. Pensei que entenderia se tivesse sido realmente devido a uma criança, culpada apenas de ter mãos inocentes. Entenderia que cada coisa tem a importância que tem e que o Sol não foge à regra, que não há duas coisas iguais para duas pessoas diferentes, que se o dia finou por certo não seria culpa da criança, que talvez se tivesse distraído com algo que viu na agitação das cores suspensas do voo de uma borboleta,
ou na estranha contorção de uma carreira de formigas no chão,
ou no mistério que as silvas teimam em defender com unhas e dentes,
ou no apelo irresistível da dança de um farrapo velho ao vento,
ou na agitação inaudível de outras crianças enterrando algures o segredo dos seus dias curtos,
ou no enorme pomar abandonado que de tão vazio, já só lá cabem crianças,
ou fosse lá onde fosse,
mas por certo que era qualquer coisa que não existe.
As crianças vêem sempre coisas que não existem.
Correm atrás de promessas e o que deixam escorregar das suas mãos é desilusão e o mais puro desinteresse. Fazem-no tão verdadeiramente que outra coisa não parecem que não crianças a brincar.
Pensava que não, mas hoje o Sol voltou a nascer. E só pode ser outra criança diferente a brincar com ele. Porque à de ontem já alguém deve ter dito que aquilo não se faz.
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