Fragmentos
A verdade é que não queria e talvez tenha sido fraco ao dizer que sim. Talvez tenha sentido necessidade de ser simpático. Talvez tenha sido bafejado pela esperança de mudar de ideias a meio e até vir a gostar. Talvez tenha sido mordido pelos dentes ocos e podres do medo, e no romper das vénulas, no rasgar do tecido, no arrepiar dos nervos, o veneno destilado neles tenha potenciado o meu. Talvez o veio que aparentemente me mantém vertical não seja tão tenaz assim, porque senti de facto o mundo a girar de forma errática quando me dobrei pela coragem. Talvez não tenha pensado.. como se isso fosse possível. Talvez não tenha querido pensar. Talvez tenha sido apenas um sonho e me reste simplesmente ter a paciência suficiente para esperar que Morfeu se canse dos braços e eu possa evadir-me do seu amplexo para respirar de novo. Talvez tenha estado distraído com um outro qualquer detalhe e não tenha reparado, como que absorvido no pormenor aveludado do toque de umas mãos no pescoço e omisso de que estrangulavam. Ou talvez tudo não tenha passado de mais um desses fragmentos de nada, e eu seja o culpado por não saber distinguir uma coisa da outra, culpado por perseguir de igual modo a Lua e o Sol e acabar sempre exangue sob um eterno crepúsculo que detesto. A verdade? A verdade é que me sinto como uma serpente envelhecida por obrigação natural, chorando todas as peles de que já se separou algures porque sabe que crescer não é crescer, é ceder; aprender não é aprender, é lembrar; realização não é realização, é abandono; e viver não é, definitivamente, viver... mas ignorar.
(imagem de: http://www.dreamingaloud.com/Gallerys/images)
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