Dia de chuva

Acabou-se outro fim de semana e a entrada em segunda feira não podia ser mais melindrosamente entorpecida.. como um membro que se deixa adormecer sem se notar. Não há qualquer carta na caixa.

Apesar do brilho que vem de tudo o que respira luz e me atinge os olhos e me magoa, hoje é dia de chuva. Faz sol, não sei o que o faz nem como, mas a inegável verdade é que ele está feito e a funcionar e as poucas nuvens que se fazem notar rastejam como vermes de barriga para baixo, e nem são nuvens sequer, mas névoas que nada podem contra a estúpida fulgência do sol. O frio é típico e diz bem do vazio dessa lâmpada sem balastro pendurada atabalhoadamente sobre o meu mundo. Vi pardáis à saída de casa que não se comportavam como se estivessem preocupados com o chover, antes saltitavam ao longo dos ramos nas roseiras secas dos jardins e cantavam como se alegres, mas apenas ignorantes, porque hoje é dia de chuva. Apesar da rua não se ter lembrado de se adequar com tons mais escuros e diamantinos. Apesar dos vidros nas janelas não distorcerem a imagem do exterior nem impedirem a do interior. Apesar de a superfície da água nas poças se manter estática e não haver poças sequer. Apesar de não se ouvir qualquer barulho se não o de qualquer outro dia sem chuva, hoje é dia de chuva.

Há um plátano na beira da estrada, atrás do qual morava o resto da paisagem, e que foi amputado. Talvez estivesse a ficar demasiado grande, talvez tivesse demasiados ramos com folhas, ou talvez demasiadas folhas caídas que incomodaram quem passou e não gostou de ouvir o barulho dos seus passos sobre a gravilha assim intermitentemente abafado, talvez alguém precisasse da lenha para se aquecer, mas duvido que se lembrasse de cortar lenha húmida que não iria secar tão cedo e para além do mais é Fevereiro e não se apanha lenha em Fevereiro.. Talvez não fosse lindo o suficiente. Houve alguém, como há sempre, que não lhe achou beleza assim como era antes, e decidiu então que uma motoserra e alguns minutos iriam resolver uma questão que nem deus – se é que acredita num – se havia lembrado, nem a Natureza – essa ao menos ninguém duvida que exista – se tinham dado ao trabalho de tratar e que portanto um plátano amputado tem mais beleza que um por amputar. Ainda que as pessoas conversem como os pássaros chilreiam e caminhem como eles saltitam e sejam uns tão aconsequentes como os outros e o sol brilhe de tão ignorante como o resto do mundo brilha de tão deserto, esse plátano sabe que hoje é dia de chuva.

Há dias que não merecem ser observados e muito menos descritos. E hoje é dia de chuva.

(imagem adaptada de http://www.fromearthtosky.com/norwegian_maple.htm)

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