Dia de chuva

Apesar do brilho que vem de tudo o que respira luz e me atinge os olhos e me magoa, hoje é dia de chuva. Faz sol, não sei o que o faz nem como, mas a inegável verdade é que ele está feito e a funcionar e as poucas nuvens que se fazem notar rastejam como vermes de barriga para baixo, e nem são nuvens sequer, mas névoas que nada podem contra a estúpida fulgência do sol. O frio é típico e diz bem do vazio dessa lâmpada sem balastro pendurada atabalhoadamente sobre o meu mundo. Vi pardáis à saída de casa que não se comportavam como se estivessem preocupados com o chover, antes saltitavam ao longo dos ramos nas roseiras secas dos jardins e cantavam como se alegres, mas apenas ignorantes, porque hoje é dia de chuva. Apesar da rua não se ter lembrado de se adequar com tons mais escuros e diamantinos. Apesar dos vidros nas janelas não distorcerem a imagem do exterior nem impedirem a do interior. Apesar de a superfície da água nas poças se manter estática e não haver poças sequer. Apesar de não se ouvir qualquer barulho se não o de qualquer outro dia sem chuva, hoje é dia de chuva.
Há um plátano na beira da estrada, atrás do qual morava o resto da paisagem, e que foi amputado. Talvez estivesse a ficar demasiado grande, talvez tivesse demasiados ramos com folhas, ou talvez demasiadas folhas caídas que incomodaram quem passou e não gostou de ouvir o barulho dos seus passos sobre a gravilha assim intermitentemente abafado, talvez alguém precisasse da lenha para se aquecer, mas duvido que se lembrasse de cortar lenha húmida que não iria secar tão cedo e para além do mais é Fevereiro e não se apanha lenha em Fevereiro.. Talvez não fosse lindo o suficiente. Houve alguém, como há sempre, que não lhe achou beleza assim como era antes, e decidiu então que uma motoserra e alguns minutos iriam resolver uma questão que nem deus – se é que acredita num – se havia lembrado, nem a Natureza – essa ao menos ninguém duvida que exista – se tinham dado ao trabalho de tratar e que portanto um plátano amputado tem mais beleza que um por amputar. Ainda que as pessoas conversem como os pássaros chilreiam e caminhem como eles saltitam e sejam uns tão aconsequentes como os outros e o sol brilhe de tão ignorante como o resto do mundo brilha de tão deserto, esse plátano sabe que hoje é dia de chuva.
Há dias que não merecem ser observados e muito menos descritos. E hoje é dia de chuva.
(imagem adaptada de http://www.fromearthtosky.com/norwegian_maple.htm)
Comentários