Correntes Submersas

Ainda que submersas, sinto as correntes que me arrastam 

Como sílica biselada de encontro ao vidro incolor. 

Há em mim esta ampulheta sibilina que me asfixia 

Entre a hora severa do despertar e o segundo anterior.

O meu corpo desdobra-se vida fora numa dança vagarosa 

Fragmentando-se em mil pedaços espalhados no tempo, 

Onde estas mãos condenadas a nunca esquecerem 

Repetem palavras de esquecimento.

Quando o abraço denso do nevoeiro engolir de vez a fragata 

Com que pilhei o mar inteiro dos seus reflexos falsos de prata, 

Soltarei o último suspiro que trago sepultado entredentes.

E ainda que digam desta poesia que é uma ladainha abstracta, 

Um triste exemplo de biografia que não passou da errata, 

Terei sempre lugar seguro entre os autores ausentes.

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