Poema (com introdução)
Lembro-me de um dia em que a minha mãe me mandou levar um carroço até às mulheres que estavam, salvo erro, na vinha da Paraíba. Nao sei quantos anos acusaria o meu B.I. na altura, suspeito até que nem tinha B.I. sequer. Sei que durante algum tempo a minha identidade se resumia à Certidão de Nascimento, um documento com a filosofia singular de atestar que de facto nascemos, não espontâneamente ou divinamente gerados por entre barbas de milho ou meadas de palha - respectivamente - mas no eterno cumprimento da mais orgânica lei da concepcção natural e consequente parto naquele dia, naquele local, por culpa das seguintes pessoas. Mas dos papéis e burocracia, um - o único - que me atemorizava era o Boletim das Vacinas. Tremia de cada vez que o ouvia a rastejar para fora da carteira pelos dedos da minha mãe, enquanto eu puxava violentamente pela memória para saber se era já altura de começar a berrar ou não, eu que não sabia fazer muito mais da impotência da idade na altura, e que não sei ao certo qual seria.
Eu disse que não queria ir. E disse também porquê. Para chegar à Paraíba tinha de passar pelo campo de Basket ou então fazer um desvio que levaria a trabalhos, e sentia-me envergonhado por ter de passar com o carroço com rodas de motorizada à frente do pessoal que por certo lá estaria. Mas com B.I. ou sem ele, a minha autoridade na altura seria a mesma, e via-me então obrigado a tomar o caminho mais longo que incluía um troço muito particular, onde havia um desnível no terreno que deixava o carreiro na berma de um precipício com “mais de dez metros”, nas unidades de então, e por onde passava uma bicicleta de cada vez, e mal.. quanto mais o carroço que, ao contrário das bicicletas, tinha as duas rodas dele postas lado a lado. Esta era, na verdade, a característica que fazia deste caminho, de entre todos, o mais longo. Mas não impossível. Impossível era engolir a vergonha e passar pelo campo.
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